quarta-feira, 2 de abril de 2008

A literatura e o jornalismo como vocação

O amor às letras começou cedo. Aos 14 anos, Heloneida já arriscava seus poemas nos cadernos. Em um deles, aproveitou as folhas não usadas por sua mãe, Edite, que escrevia seus rascunhos com cartas de amor para o marido, Vicente. O mesmo hábito da mãe acompanharia Heloneida até o fim da vida. Ela sempre preferia escrever seus textos à mão, praticamente sem rasuras, tinha o chamado texto final, um privilégio de poucos. Mesmo tendo usado máquina de escrever quando era jornalista na redação, na hora de criar os romances escolhia sempre os cadernos como companheiros. Ensaiou várias vezes aprender a usar o computador, mas desistiu no meio do caminho.
Trabalhou no Correio da Manhã e no Diário de Notícias, mas foi na Revista Manchete, da Bloch Editores, no início dos anos 70, que se destacou ficando durante oito anos como redatora e repórter. Com o fim do regime militar, a escritora-jornalista lançaria o que chamou de “Trilogia da tortura”: O pardal é um pássaro azul (que já foi traduzido em cinco idiomas); O estandarte da agonia (inspirado na vida de sua amiga Zuzu Angel); e O torturador em romaria.
Em 1974, Heloneida lança o livro “Mulher objeto de cama e mesa”,vendendo milhares de exemplares ao longo de muitos anos. Foi uma revolução para a época, quando muitos assuntos eram tabu na sociedade, como a pílula anticoncepcional e a luta pela ampliação do mercado de trabalho para as mulheres. Com o livro, Heloneida carimbava seu passaporte definitivo para o mundo do feminismo. No ano seguinte, quando houve a Conferência Internacional, no México, ela escreveu a peça “Homem não entra”. Como o próprio nome já indica, só aceitavam mulheres na platéia. A peça foi escrita por Helô e Rose Marie e tinha a atriz-radialista Cidinha Campos, que ainda não sonhava ser deputada, como protagonista. Foi um sucesso em todo o País.

Nem mesmo no parlamento descansou de sua atividade literária: abriu a Alerj ao povo ao escrever peças, de exibição gratuita, que levaram mais de 40 mil pessoas ao prédio do Palácio Tiradentes, sede do legislativo. E seguindo a veia jornalística, criou o projeto do canal legislativo, a TV Alerj, para dar transparência aos trabalhos dos deputados.

Em 2005, Heloneida teve a alegria de ver dois livros seus, de maior sucesso no Brasil, serem editados na França: “Pardal é um passaro azul” e “O Selo da Despedidas”. Mas a escritora deixou dois projetos inacabados: reescrever o livro “Deus não paga em dólar”, retirado das livrarias na época da ditadura militar, e escrever o livro “Luz que se apaga”, cujo personagem principal sofre do mal de Alzheimer, doença que acometeu o irmão da autora. Em relação ao primeiro livro, o escritor Francisco Orban, filho de Heloneida, conseguiu a promessa de uma editora em Paris de reeditá-lo em breve.

Como publicou, em 2005, um dos jornais mais tradicionais do mundo, o Le Monde, Heloneida Studart foi, ao longo dos seus 82 anos de vida, “uma matriarca subversiva das letras brasileiras”, por sua literatura regionalizada e profundamente marcada pelas questões sociais. Ela transgrediu também ao fugir dos padrões e das convenções de quem esperava que fosse mais uma mulher destinada ao casamento e à família. Contrariando os que pregam a luta entre sexos como uma das bandeiras do feminismo, pode-se dizer que Heloneida subverteu também neste quesito quando avaliou o papel da mulher neste nosso século: