segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Exposição da Alerj acabou não acontecendo...

Este texto foi produzido para uma exposição que acabou sendo abortada antes de acontecer. Deixo aqui o seu registro como protestoe homenagem.

Heloneida Studart foi escritora, jornalista, feminista, sindicalista, teatróloga e mãe de seis filhos homens. Uma pessoa que viveu sempre à frente do seu tempo,abriu caminhos em diversos setores da vida pública e das artes. Como uma forma de homenageá-la duplamente, além da exposição sobre sua história, daremos a este local o nome de “Espaço Cultural Heloneida Studart”.
Deputada estadual por seis mandatos, Heloneida foi uma guerreira e leal guardiã do parlamento e da democracia.Com certeza, deixa uma legião de admiradores e, principalmente, deixa a sua família orgulhosa; seus filhos; seus netos e seu marido. Sejam todos bem-vindos!

Setor 1: Do Nordeste a Paris, uma trajetória de sucesso

Criada para ser mãe-de-família, Heloneida Studart nasceu e cresceu no Ceará, até decidir que adotaria o Rio de Janeiro como a sua segunda cidade. Achava que se ficasse em Fortaleza, teria a sina de tantas mulheres cearenses, seria apenas dona-de-casa e teria uma enorme prole. Filha da tradicional família, descendente do Barão Studart, foi preparada para se casar com alguém do seu nível social. Mas resolveu contrariar as regras estabelecidas logo cedo e, aos 18 anos, decidiu que viria para o Rio de Janeiro em busca da realização de dois sonhos: ser escritora e jornalista.

Heloneida era uma menina tímida e fez dos livros seus companheiros desde a infância. Alfabetizou-se bem cedo, com a ajuda da babá semi-analfabeta. Para a surpresa da família, que não acreditava no feito,quando tinha apenas cinco se divertia ao contar que leu a sua primeira notícia no jornal: “Paris está em chamas”. Foi um alvoroço. A menina havia aprendido a ler sem que ninguém tivesse percebido.


Dizia que era “temente a Deus” e sobre a sua cama gostava de ter um crucifixo pendurado na parede. Quando tinha apenas dez anos de idade, herdou do pai, Vicente Soares, o bem que considerou mais precioso e a transformaria para sempre: uma biblioteca com dois mil volumes.

No Rio, conheceu numa palestra o húngaro Franz Orban, quando trabalhava na biblioteca volante do Sesi, em 1952. Na foto do álbum de família, o casamento parecia “caretão”, como gostava de dizer Heloneida, sempre que mostrava a foto às visitas. Mas começaria ali um relacionamento diferente. Os dois passaram a morar em casas separadas depois que os filhos foram viver suas vidas. Mas o “Gordo”, como Heloneida se referia carinhosamente, e de forma brincalhona ao marido, conviveria com a líder feminista até o fim da vida: ficaram casados para sempre.


Helô, como gostava de ser chamada pelos amigos, procurava não se enquadrar às regras familiares, mas de uma coisa não escapou: se tornaria mãe de uma prole de seis filhos, todos homens, nascidos ao longo de dez anos: Francisco, João, Juarez, Marcos, Vicente e Cristóvão. Passou praticamente uma década como parideira. Costumava carregar as crianças atrás dela para o trabalho e alguns atuaram na política com a mãe até o fim da vida, como Cristóvão e João.

Heloneida era uma pessoa simples, alegre e gostava muito de cozinhar. Mas já avisava que só cozinhava para quem gostava. Adorava de ver a família reunida em grandes almoços de fim-de-semana. Invariavelmente, recebia a todos sentada na sua cadeira de balanço, que ficava no centro do apartamento simples, de dois quartos, na Rua Gustavo Sampaio, no Leme, onde morou boa parte da vida. Depois do Leme e do Ceará, sua paixão era a casa de Maricá, onde passava as horas escrevendo e próxima dos netos, paixões tão grandes quanto os filhos.
Em 2006, a Fundação de Mulheres Suíças escolheu mil mulheres para concorrerem coletivamente ao prêmio Nobel da Paz. Dentre elas, 52 eram brasileiras e Heloneida estava entre elas, por causa de sua luta parlamentar e feminista.

SETOR 2: A literatura e o jornalismo como vocação

O amor às letras começou cedo. Aos 14 anos, Heloneida já arriscava seus poemas nos cadernos. Em um deles, aproveitou as folhas não usadas por sua mãe, Edite, que escrevia seus rascunhos com cartas de amor para o marido, Vicente. O mesmo hábito da mãe acompanharia Heloneida até o fim da vida. Ela sempre preferia escrever seus textos à mão, praticamente sem rasuras, tinha o chamado texto final, um privilégio de poucos. Mesmo tendo usado máquina de escrever quando era jornalista na redação, na hora de criar os romances escolhia sempre os cadernos como companheiros. Ensaiou várias vezes aprender a usar o computador, mas desistiu no meio do caminho.
Trabalhou no Correio da Manhã e no Diário de Notícias, mas foi na Revista Manchete, da Bloch Editores, no início dos anos 70, que se destacou ficando durante oito anos como redatora e repórter. Com o fim do regime militar, a escritora-jornalista lançaria o que chamou de “Trilogia da tortura”: O pardal é um pássaro azul (que já foi traduzido em cinco idiomas); O estandarte da agonia (inspirado na vida de sua amiga Zuzu Angel); e O torturador em romaria.
Em 1974, Heloneida lança o livro “Mulher objeto de cama e mesa”,vendendo milhares de exemplares ao longo de muitos anos. Foi uma revolução para a época, quando muitos assuntos eram tabu na sociedade, como a pílula anticoncepcional e a luta pela ampliação do mercado de trabalho para as mulheres. Com o livro, Heloneida carimbava seu passaporte definitivo para o mundo do feminismo. No ano seguinte, quando houve a Conferência Internacional, no México, ela escreveu a peça “Homem não entra”. Como o próprio nome já indica, só aceitavam mulheres na platéia. A peça foi escrita por Helô e Rose Marie e tinha a atriz-radialista Cidinha Campos, que ainda não sonhava ser deputada, como protagonista. Foi um sucesso em todo o País.


Em 2005, Heloneida teve a alegria de ver dois livros seus, de maior sucesso no Brasil, serem editados na França: “Pardal é um passaro azul” e “O Selo da Despedidas”. Mas a escritora deixou dois projetos inacabados: reescrever o livro “Deus não paga em dólar”, retirado das livrarias na época da ditadura militar, e escrever o livro “Luz que se apaga”, cujo personagem principal sofre do mal de Alzheimer, doença que acometeu o irmão da autora
Como publicou, em 2005, um dos jornais mais tradicionais do mundo, o Le Monde, Heloneida Studart foi, ao longo dos seus 82 anos de vida, “uma matriarca subversiva das letras brasileiras”, por sua literatura regionalizada e profundamente marcada pelas questões sociais. Ela transgrediu também ao fugir dos padrões e das convenções de quem esperava que fosse mais uma mulher destinada ao casamento e à família. Contrariando os que pregam a luta entre sexos como uma das bandeiras do feminismo, pode-se dizer que Heloneida subverteu também neste quesito quando avaliou o papel da mulher neste nosso século:
“A solução para os problemas do feminismo não está na política... O machismo permeia vários regimes como na China, em Cuba e na União Soviética. A questão é lenta. É cultural.Por isso, a meus seis filhos, que são os homens da minha vida, ensinei, dede cedo, que não existem tarefas masculinas e femininas. Dos seis, quatro cozinham muito bem”.



SETOR 3: Uma vida de lutas, do feminismo à política
O interesse de Heloneida pela política começou muito antes de iniciar a vida pública como deputada, em 1978. Jornalista de sucesso, era filiada ao Partido Comunista Brasileiro e presidente do sindicato dos escritores, o Senalba. Presa em 1969, cassada pelo AI-5, perdeu o emprego em todas as redações e inclusive no Sesi, onde trabalhava na biblioteca volante, que levava livros para os conjuntos habitacionais na zona norte e no subúrbio. Ao ser presa, ganhou uma extensa ficha no Departamento de Ordem Política e Social, a polícia política do regime militar. Suas histórias da prisão deram origem a dois episódios do caso verdade da TV Globo: “Não roubaras” e “Quero meu filho”.

Um momento marcante no feminismo no Brasil se deu logo após o Congresso Internacional de Mulheres no México, em 1975. A jornalista fez a cobertura pela Revista Manchete e, no mesmo ano, ela, Rose Marie Muraro, Moema Toscano, Branca Moreira Alves, Fanny Tabak e Maria do Espírito Santo Cardoso criaram o Centro da Mulher Brasileira, considerado um dos precursores do movimento feminista no Brasil. A entidade existe ainda hoje e é presidida por Salete Macaloz, com quem Heloneida realizou várias campanhas em prol das mulheres.


O início da carreira política começou em 1978, pelo MDB, com 58 mil votos ainda durante o regime militar. Com o fim do bipartidarismo e a criação do PMDB, em 1979, fruto da fusão entre o PP e o MDB, a primeira eleição direta após a ditadura aconteceria em 1982. Heloneida estava filiada ao partido e perdeu para o fenômeno Brizola no Rio. Ela e vários candidatos do PMDB, como o amigo e advogado Marcelo Cerqueira, não conseguiram se reeleger. Derrotada, receberia da amiga e radialista Cidinha Campos o convite para ser redatora do programa Cidinha Livre, da Rádio Tupi, e se tornaria debatedora do programa que já era líder de audiência. Nessa época, Cidinha ainda não havia sido convidada por Brizola a se lançar na política. Estava selada ali uma aliança que duraria até o fim da vida.

Heloneida Studart voltou a exercer o mandato na Assembléia Legislativa de Janeiro, em 1986, filiada ao PMDB e com uma votação marcante. Em seguida, participou em Brasília do importante lobby da “Bancada do Batom”, que reuniu diversas parlamentares na luta pela inclusão de novos direitos para as mulheres na Constituição, com destaque para a licença maternidade de 120 dias. Em 1990 filiou-se ao PT, de onde nunca mais saiu e se reelegeu nas eleições de 1994, 1998 e 2002. Em seu primeiro mandato pelo PT, durante o período das privatizações, destacou-se na luta pelo nacionalismo ao lado de figuras importantes como o jornalista Barbosa Lima Sobrinho e Luiz Inácio Lula da Silva.

A vocação para a política e para a culinária fez Heloneida famosa também pelos pratos que cozinhava, como a Galinha Húngara, que acabou virando o cartão de visitas de vários encontros políticos e das suas campanhas.

Como deputada estadual, por seis mandatos, a deputada aprovou diversas leis que beneficiaram as mulheres, entre as mais recentes, a que garante a cirurgia reparadora da mama em mulheres mutiladas pelo câncer; a do exame de DNA gratuito na rede estadual para mulheres pobres; a que previne a síndrome acoólica fetal, entre outras. A íntegra das leis pode ser obtida no site da Alerj http://www.alerj.rj.gov.br/ clicando em “leis aprovadas”.

Durante todo o tempo em que esteve na Alerj, não fez apenas leis, se destacou como presidente da Comissão de Direitos Humanos, foi vice-presidente da Casa e abriu o parlamento ao povo ao escrever peças, de exibição gratuita, que levaram mais de 40 mil pessoas ao prédio do Palácio Tiradentes, sede da Alerj. Criou o projeto do canal legislativo para dar transparência aos trabalhos dos deputados no plenário e nas comissões. Seu lema na vida pública como deputada estadual da Assembléia Legislativa, pode resumir sua atuação neste parlamento: uma vida de lutas, uma mulher de valor.

Curadoria, pesquisa e textos> Mônica Rodrigues

domingo, 4 de janeiro de 2009

Livros publicados

Livros Publicados pela escritora e jornalista
A primeira pedra
Dize-me o teu nome, premiado pela Academia Brasileira de Letras e laureado com o prêmio Orlando Dantas, do jornal Diário de Notícias em 1957
O pardal é um pássaro azul (traduzido em cinco idiomas)
O estandarte da agonia (inspirado na vida de sua amiga e comadre Zuzu Angel)
O torturador em romaria
A Culpa
China, o Nordeste que deu certo
A deusa do rádio e outros deuses
Deus não paga em dólar
Mulher objeto de cama e mesa
Mulher, a quem pertence seu corpo?
O selo das despedidas
Jesus de Jaçanã
O Santo Ateu